Onde os ventos se cruzam
Excerto:
...No seu reencontro com Mindelo, David percorria as ruas da cidade a pé, ora só, ora acompanhado, atento a tudo o que o rodeava, numa redescoberta do que quinze anos antes deixara. O escritor Vitorino Nemésio, outro ilhéu, que uma vez passou por Mindelo vindo do Brasil, comparou as árvores da Rua de Lisboa, a nobre artéria da cidade, a pincéis de barba gastos pelo uso. A comparação tinha sido feita com simpatia, quase ternura. Não obstante, David lembrava-se de que a descrição não lhe tinha agradado muito na altura, por mais poética que outros leitores a tivessem achado. Mas quando desta vez olhou para aquelas árvores que enfeitavam a cidade de B.Léza, José Lopes, Roque Gonçalves, Frusoni, Djunga, Jota Monte e Manuel de Novas, não deixou de sorrir: autênticos pincéis de barba! Sim, mas quem usa esse método para se barbear, conhece o apego que se ganha àquele pincel usado, retorcido e gasto com que diariamente afagamos o rosto nesse ritual matutino.
A pouco e pouco, de ternura em ternura, sorriso em sorriso, interior, topada em topada, exterior, David foi recuperando o Mindelo que quinze anos atrás, com muita relutância, adolescente, deixara. E as grandes referências ali estavam afinal: para além da imensa baía azul, do Monte Cara e das areias douradas de Salamansa, Matiota, Lajinha, Praça Nova, Eden Park, o Liceu, o Palácio, as lojas, farmácias, botequins, canecadinhas. Até algumas daquelas chamadas figura típicas da terra; só que quinze anos mais velhas, as que sobreviveram. Mas coisas novas animavam a cidade. Prédios, Hotel Novo, Novo Cinema do Tuta, animado, alegremente ruidoso, em concorrência amigável, fraterna, com o já clássico Eden Park. Certos cafés ou bares eram verdadeiras instituições, como o Bar Estrela e o Mochin Mercone, e outros novos se intituiram. Era só acertar o passo e retomar o pé.
Autor: Viriato de Barros
Editor: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (IBNL)
(in: Viriato de Barros)
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